Coluna Pão e Pedras: Amenidades e Poesia
Caminhar pelas ruas no entorno da Avenida Paulista, em São Paulo, neste último 14 de Maio pode ter causado surpresas a muitos desavisados. Uma multidão de jovens, adultos, idosos se deslocava, tomando as ruas e o espaço público seguido por uma neblina tênue. Não fazia frio na cidade neste dia: consumia-se maconha, coletivamente.
Há muito tempo as drogas são consumidas pelas sociedades humanas. Substâncias que alteram os sentidos e a percepção são cotidianas na história e amplamente consumidas, ainda hoje, pelas famílias – tradicionais – no Brasil e no mundo. Quando se pensa no uso de drogas, em um discurso que é explicitamente propagandeado pelos meios de comunicação em horário nobre, pensamos em pessoas largados nas ruas, que perderam os laços e vínculos familiares e que cometem crimes, os mais bizarros, para sustentar seu vício. Maconha, Crack, Cocaína, entre outras são frequentemente levantadas como substâncias que desestabilizam a vida dos que as consomem. Mas será que é esta a melhor abordagem para tratar a questão das drogas e de seu consumo? Será que não podemos tratar este problema de uma forma mais profunda e madura?
Hoje, no Brasil, o tráfico de drogas é, de longe, o crime que mais encarcera pessoas. Desde 2006, com o endurecimento da lei sobre o tráfico de Drogas no Brasil previsto pela lei 11.343, o número de prisões por tráfico de drogas subiu 339%. O Estado de São Paulo lidera o ranking, com 54 891 pessoas presas por este crime. Em sua maioria jovens, negros e provenientes de bairros periféricos das grandes cidades, os presos por tráfico de drogas alimentam um mecanismo perverso de encarceramento da pobreza, que parece ser, pra nossas elites conservadoras, o melhor modo de lidar com o problema das desigualdades históricas de nosso país. O primeiro agravante é que a grande maior parte das prisões por tráfico de drogas têm, como única e exclusiva prova, a palavra do policial que efetuou a prisão. A palavra do policial tem fé pública, do jovem negro e periférico é, constantemente calada.
A experiência do Uruguai, neste sentido, tem muito a nos ensinar. Desde a liberação do uso de maconha, cerca de 3 000 pessoas passaram a cultivar a sua própria maconha, deixando de alimentar o tráfico ilegal de drogas. Com isso, as prisões por tráfico reduziram-se a números mínimos e a violência nos bairros pobres referentes à venda e consumo de drogas praticamente zerou. A grande questão do uso de drogas não necessariamente está ligada ao uso e aos efeitos das substâncias, mas à situação social de vulnerabilidade que muitas pessoas se encontram no capitalismo. Grandes nomes, como o historiador Sérgio Buarque de Holanda, o humorista Gregório Duvivier e até o ator Arnold Schwarzenegger já fumaram um baseado. A questão é que eles têm dinheiro, assistência jurídica e psicológica para lidar com suas frustrações pessoais, ao contrário da maior parte da população brasileira que é estigmatizada e criminalizada pelo simples fato de serem pobres.
É neste sentido que a marcha da maconha procura questionar os atuais rumos das políticas proibicionistas no Brasil. Visivelmente, os que estavam presentes na marcha eram, em grande parte, negros, periféricos e que, no caso de algumas pessoas com quem conversei, estavam no primeiro ato político de sua vida. A pluralidade de concepções políticas era imensa, e no ato estavam presentes professores, advogados, pesquisadores, grupos de bairros, artistas, etc. Segundo um dos rapazes do ato, até um grupo do PSDB, ligado ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (que se posiciona a favor da legalização das drogas), estava presente.
Naquela noite de Sábado uma outra São Paulo se fez possível. A politização da discussão ao redor do uso e consumo de drogas passa pelos âmbitos de saúde pública, segurança social, educação, distribuição de renda, favelização das cidades entre vários outros campos do conhecimento e da vida em sociedade. O que não dá pra entender é como ainda hoje se debata a questão como meramente um problema de polícia. Deve ser porque seja mesmo interessante para os governantes – inda mais em tempos de avanço do conservadorismo – alimentar o mercado de armas, a privatização dos presídios, a segurança privada, as milícias nas favelas e o extermínio da juventude negra e periférica. E nós, temos como nos opor a este quadro lamentável da política proibicionista no Brasil. O próprio mote da marcha já nos dá a pista: “FOGO NA BOMBA E PAZ NA QUEBRADA.”