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Leonardo Boff palestra na 17 Jornada de Agroecologia | foto: Divulgação

“A máquina de morte já foi construída e nós somos governados por um imperador louco”, diz Leonardo Boff

Leonardo Boff abriu a 17ª Jornada de Agroecologia em Curitiba falando sobre as ameaças que pesam sobre o planeta terra.

A trilha sonora que guiou Boff ao palco foi “Lula livre”. O vermelho de sua estola reluzia ao redor do seu pescoço e escorria sobre seu poncho. “Ela tem um significado”, falou sem revelar qual. No entanto essa cor normalmente é usada pelos padres nos dias dos santos mártires. Seus longos cabelos e barba branca dariam o tom perfeito para compor o personagem de um profeta bíblico. Neste cenário seria oportuno se quando ele atingisse o centro do palco não descansasse bengala no encosto da poltrona. Mas ao contrário, a erguesse aos céus e após, num movimento brusco a fizesse tocar o chão abrindo o mar vermelho (recheados de canhotas e dos camponeses do MST) liberando o caminho do teatro Guaíra até a sede da Polícia Federal no Santa Cândida, rompendo trancas e portões e atendendo ao chamado da plateia. Digressões oníricas à parte, Boff dispensou o descanso da poltrona à sua bolsa e aos livros e palestrou em pé. Fugiu do tema proposto pelos ouvintes e falou sobre as ameaças à nossa mãe terra.

Boff iniciou sua fala destacando o papel do Brasil como 6º economia mundial e a importância de controlar os recursos desta nação continental. Falando para uma plateia de camponeses, que lotaram o teatro Guaíra, lembra que em alguns anos toda a economia mundial vai passar pela ecologia, em especial à produção de alimento. A entrega desse alimento, segundo o teólogo, pode ser feita por grandes corporações como Syngenta e Monsanto que produz “veneno” e desencadeia doenças ou de alternativas como a do agroecologia, de iniciativas como de assentamentos do MST e da agricultura familiar, esta responsável por mais de 60% da comida que chega na mesa dos brasileiros.

Alertando os presentes de que os assuntos abordados poderiam não agradar a todos, revelou o tema proposto pela organização do evento: As ameaças que pesam sobre o planeta terra. Antes mesmo do teólogo pisar no primeiro tópico já ouvi um ronco na fileira de trás. Hipnopedia? Admirável mundo novo!

Leonardo Boff falou por cerca de uma hora para uma plateia atenta. O prefácio do seu pequeno inventário de como nos podemos foder com o planeta é taxativo “Nós criamos o princípio da autodestruição”, explica: “A máquina de morte já foi construída e nós somos governados por um imperador louco”. Quem seria? “Esse tío Trump, um tío muito ruim”. Chega a ser bonito a maneira como ele pronuncia o tío, é uma sonoridade que vem do espanhol, creio eu, soa afetuoso, um afeto misericordioso dispensado àqueles que perderam a razão.

Como se já não bastasse a ameaça-mor que é ter o Trump no comando dos EUA com quase mil bases nucleares ao redor do globo, Boff discorre sobre seis outras relevantes forças que fazem a Mãe Terra procurar sua medida protetiva.

A grande Transformação

Boff cita o autor Karl Polaniy, de “A grande Transformação” que defende a ideia de termos passado de uma economia de mercado para a sociedade de mercado. Ou seja, tudo virou produto. Segundo o Boff Karl Marx também versou sobre o tema em “Miséria da Filosofia”, chamando este momento de a grande corrupção e venalidade geral.

Armas nucleares químicas e biológicas

Em 1997 quando Leonardo Boff representava a America Latina na no 1º esboço da Carta da Terra, sob a coordenação do último líder da União Soviética Mikhail Gorbachev e numa pausa para o café, ao lado de Mercedes Sosa, perguntou Gorbachev:

– Verdade que você poderia enfrentar o ocidente numa guerra nuclear?

– Tem dois generais malucos que toda falam aos ouvidos, dizendo “vamos ao enfrentamento último e terminal com o ocidente”. – disse o soviético – Só com as armas que nós temos, dispensando as americanas, inglesas e francesas eu posso destruir toda a vida do planeta por 15 formas diferentes.

O diálogo que Boff reencenou 20 anos depois mostra nosso poder autodestrutivo. Saímos do holoceno e entramos no antropoceno, ele explica. “Não é um meteoro rasante que vem e possa nos destruir. É o próprio ser humano que se transformou no satã da terra. Numa energia altamente destrutiva de si mesmo e de toda a vida”.

Segundo o intelectual, os americanos têm entre 800 a mil bases nucleares distribuídas no mundo inteiro, quase todas elas com ogivas nucleares. Dispõe também de aviões que voam continuamente com ogivas nucleares podem ser disparadas em três minutos. “A ameaça está aí sob as nossas cabeças”.

Aquecimento Global

Já estamos no vivendo o aquecimento global. Sobretudo pelo descumprimento da maioria dos países no controle dos gases de efeito estufa, principalmente dos EUA. “Há um relatório de 2 anos atrás da comissão científica norte americana que diz que se não for feito nada até 2025 – 2030 a terra poderá dar um salto de 2 para 4, até 5 graus Celsius. Se der esse salto no percurso de três ou quatro anos a vida que nós conhecemos vai desaparecer. Não consegue se adaptar e morre”. De posse deste relatório e atendendo os interesses de mercados os políticos ianques se calaram. Por que é “anti-sistêmico, afeta os negócios. Pois o capitalismo não renuncia a sua voracidade de acumulação”.

O biólogo Edward Osborne Wilson, afirma que a cada ano, “dada a agressividade do processo industrialista, desaparecem entre setenta e 100 mil espécies de seres vivos. Isso é uma devastação como nos tempos pré-histórico como quando na terra caíam meteoros imensos“. A atual sociedade de consumo levou a terra ao desequilíbrio e o resgate dele pode vir ao custo do sacrifício da biosfera e talvez com boa parte de nós seres humanos, segundo Boff.

Acesso Água potável

Agora estamos tranquilos, no Brasil não falta água. Sim, somos um dos seis países que tem água em abundância. Três por cento do total da água disponível no mundo é água doce, mas apenas 0,7% é acessível e deste percentual 13% está aqui no Brasil. Mas apesar de tanta água ainda temos secas. E o agronegócio invadindo o Serrado e a Amazônia contribui com isso. Boff referencia o livro de Antônio Nobre, a Seca e a Amazônia – rumo ao matadouro, para explicar o fenômeno.

O Serrado é uma Amazônia ao inverso, ela cresce para dentro, as raízes chegam até 30 metros, a umidade que sai da Amazônia e vem para o serrado alimentam nossos principais rios. Cortando a mata nativa e plantado soja ou fazendo pasto esse ciclo é quebrado e como consequência toda essa região pode ser tornar um grande deserto.

Onda de refugiados

“Se eles estão aqui agora é por que nós antes estivemos lá, explorando suas riquezas. Agora eles vêm e nós não os aceitamos”

A frase é do Papa Francisco, que segundo Boff é o único que diz a verdade.  Relatórios da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) indicam que o cruzamento de escassez de água com a falta de alimentos, decorrente de perda de plantações por transformações do clima, farão em alguns anos com que milhões de pessoas – na ordem de 100 milhões – saiam de suas terras de origem e migrem para os grandes centros econômicos. O caos está anunciado pois como bem lembra Boff nas palavras do Papa “o capitalismo é um sistema assassino dos pobres. Anti-vida”.

O teólogo recorre novamente ao supremo líder cristão em sua fala, mas alerta que o discurso do Papa nada tem a ver com religião e sim com a humanidade. Citou uma fala do Papa em Santa Cruz de La Sierra em que na 1ª parte ele aborda a importância dos três T’s: Terra, Teto e Trabalho e 2ª parte abre os olhos para que não esperemos “nada de cima, porque de cima sempre vem mais do mesmo. Vocês têm que ser o profeta do novo. Comecem por vocês mesmos. Cumprindo três itens fundamentais: a economia para vida e não para o mercado; Justiça social que é a base para a paz e cuidem da casa comum, a Mãe Terra, porque se não cuidarem todos os projetos serão em vão.

Sobrecarga da Terra

Carl Sagan, cientista, cosmólogo e astrofísico norte-americano escreveu em seu testamento que nós chegamos num ponto onde a terra não consegue se auto reproduzir, seja com suas forças ou com as forças diretivas do universo. Nós seres humanos temos que politicamente querer a sobrevida da terra. Boff salienta que nós temos que ter outra relação com a terra. Ele revela que no dia 2 de maio deste ano esgotou a reserva de recursos naturais da terra, ou seja, houve a sobrecarga da terra.

Pois o projeto da humanidade é um crescimento linear infinito em direção ao futuro. Mas um projeto infinito e ilimitado não é suportado por um planeta limitado em bens e serviços. Neste ritmo de consumo em 3 ou 4 gerações haverá um colapso no sistema vida e no sistema terra.

“A terra não está aí como um baú de recursos que vamos tirando. Não é um objeto exterior a nós. Que a terra e natureza formam uma grande unidade conosco. E por isso nós não podemos maltratá-la. Não é objeto que tiramos, mas é com quem convivemos. Respeitamos seus ritmos e damos tempos para ela se refazer nos seus nutrientes e ela poder seguir e dar a nós, nossos filhos e netos tudo àquilo que nós precisamos”.

Repensar o consumo e a origem dos alimentos é o ponto fundamental. Entender que nós fazemos parte da Mãe Terra e a sobrevida do planeta é essencial para a nossa existência é um dos efeitos colaterais da 17º Jornada da Agroecologia. “Acho que o grande efeito desse encontro entre cidade e campo na agroecologia é fazer com que essa população da cidade veja que 83% da dos brasileiros moram em cidades. é fazer entender que a não é a natureza lá e nós aqui, a natureza está aqui (apontando para o peito)”.

O Sr. Leonardo Boff foi excomungado da ICAR (Igreja Católica Apostólica Romana) nos anos 80, no entanto transforma em púlpito salas de aula e tablados por onde passa. Como fez no teatro Guaíra (com fiéis de mãos calejadas e enxadas em punho) e na UFPR nesta semana em Curitiba. Fez do seu poncho sua bata, seu cachecol sua estola. Da Teologia da Libertação e sua imensurável bagagem de conhecimento a sua liturgia, pois “A vida é que a grande produção. Que o universo produziu sob a orientação de Deus, empurrando todas as energias para que elas se complexificassem, criassem ordens cada vez mais altas até chegar a uma ordem consciente que somos nós seres humanos. Então nós somos terra. Aquela porção da terra, que num dado momento da sua evolução ela começou a sentir, pensar, amar, cuidar… Nós somos terra. Por isso que homem vem de húmus, terra boa, terra fértil”.

Links:

Jornada da Agroecologia (site)

http://www.jornadaagroecologia.com.br/

 

Leonardo Boff (*1938) – Doutorou-se em teologia pela Universidade de Munique. Foi professor de teologia sistemática e ecumênica com os Franciscanos em Petrópolis e depois professor de ética, filosofia da religião e de ecologia filosófica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

https://leonardoboff.wordpress.com/

 

Assista a abertura da 17ª jornada da Agroecologia (facebook)

https://www.facebook.com/jornadade.agroecologia/videos/1559231887536142/

 

 

About Everton Mossato

É jornalista, cofundador do Parágrafo 2, "emprestado" ao funcionalismo público. Descabaçou como repórter em jornais de bairro de Curitiba. Já teve uns blogs e editou o documentário Tabaco - As folhas da incerteza. Aprecia o ritmo de produção intermitente e acredita que boas "estórias" devem ser contadas sem pressa.