Arte da vadiagem na Província do Leite Quente
Em Curitiba, menino se diz piá. E piá, que se prese, brinca na rua. A diferença entre piá de vila e piá de prédio se dá principalmente no ambiente de brincadeira: seguro, limpo e sem graça, piá de prédio; arriscado, sujeito à briga e, portanto, regado a aventuras, piá de vila. O clube do playground nunca se encontrava com a turma da boliquinha.
Em épocas especiais, quando vinham times de outros bairros, acontecia a substituição do gol, feito geralmente com traves de chinelos, por algumas travinhas de madeira, com redes de sacos de batata, esforço conjunto de muitos membros.
O maior problema, tanto em épocas de campeonato quanto nas disputas diárias, era o dono da bola. Em praticamente todas as ocasiões era um menino que jogava mal, antipático e bem tratado. O dono da bola expunha logo de cara a condição: só se tem acesso à bola quando ele joga. Subitamente, sem qualquer explicação plausível, o dono da bola pegava o brinquedo e entrava para casa, afundando o jogo todo, deixando todos decepcionados.
A lição do dono da bola representa uma característica comportamental visível na sociedade brasileira: tratar bem aqueles que tem posse, para tirar algum proveito disso, já que a condição de marginalidade torna muito difícil, para não dizer impossível, que um descamisado possa ter a sua própria bola e escolher quem e quando joga.
Trocando o ângulo, mas mantendo a lógica, a política nacional se comporta de maneira muito semelhante. Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o máximo exemplo do dono da bola, escolhe quem deve jogar e como. Perder não está no seu horizonte, nem que para isso abuse de todas as formas possíveis de seu poder de dono da bola. Afasta debatedores de calibre do pleito eleitoral, se perde a votação de um projeto, não troca o projeto, mas os votantes e, não satisfeito, muda a regra do jogo a seu bel prazer e interesse.
Beto Richa (PSDB-PR) se perde, parte logo para porrada, característica um pouco diferente dos donos da bola. Mas se tratando do mandar bater e espiar de longe com sadismo, se torna característica intrínseca de um grande dono da bola.
Jair Bolsonaro, o popstar dos princípios medievais, pertencente ao Partido Progressista, que de progresso só tem a piada pronta no nome, ostenta sungas absurdas em paraísos naturais protegidos por lei, onde a pesca é proibida, mas que ele pesca, talvez por a lei não conseguir alcança-lo, não ele, o dono da bola.
A lógica do dono da bola possibilita outras práticas, como o carteiraço, o peso de sobrenome, que sempre é antecedido pela frase “sabe com quem está falando?”. Práticas que enaltecem o espírito de colônia de um povo sofrido, mas que infelizmente só aprendeu a enxergar o mundo a partir da ótica do sinhô, e acha que é normal que uns poucos possam estragar a alegria de muitos.