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“A internet abriu uma possibilidade sem precedentes pra se falar sobre as causas negras”, destaca o ativista João Elias

Entrevista 

Um vídeo que circulou nas redes socais no início de novembro e que mostra o apresentador William Waack do Jornal da Globo fazendo comentários racistas, terminou com o afastamento do jornalista da programação da emissora. Em nota, a TV Globo diz que o âncora do Jornal usou “ao que tudo indica” termos racistas. O grupo afirma ser “visceralmente contra o racismo em todas as suas formas e manifestações” e, por isso, tomou a decisão do afastamento até que a situação esteja esclarecida”.

As imagens do vídeo são da campanha eleitoral dos Estados Unidos em 2016. Minutos antes de entrar ao vivo ao lado do entrevistado Paulo Sotero, do Wilson Center, Waack xinga um carro que estava buzinando na rua, vira-se para o convidado do programa e afirma duas vezes em tom baixo que o barulho na rua é coisa de “preto”. Depois de reclamar das buzinadas, o apresentador diz: “Você é um, não vou nem falar, eu sem quem é…”. E depois, virando-se para o convidado diz: “É preto”.

O episódio rendeu intensas discussões acerca do racismo no Brasil. Algumas personalidades como a jornalista Rachel Sheherazade, o ex diretor da Globo Boni e o Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes saíram em defesa de Waack. Na internet, entretanto, as manifestações de repudio ganharam força entre muitos usuários

O racismo no Brasil se mostra vivo e o fenômeno das redes sociais potencializou as discussões em torno do tema. Em entrevista ao Parágrafo 2, o ativista João Elias fala sobre o caso Willian Waack e sobre as diversas facetas do racismo no país. João é ativista racial desde 1982, quando ainda militava solitariamente. Em 2008 entrou para o MNU – Movimento Negro Unificado. A partir de 2015 passou a atuar pela OLPN – Organização Política de Libertação do Povo Negro e tem atuado fortemente em rede social com foco no combate ao racismo antinegro. Atualmente ministra o “Curso Básico de Formação de Consciência Negra”.

Confira a entrevista:

Parágrafo: A seu ver, o episódio envolvendo o Willian Waack reflete o que boa parte da elite brasileira, incluindo aquela que detém os meios de comunicação, ainda pensa sobre os negros?

João Elias: Sim, acredito que ainda reflita, embora a grande mídia se manifeste contrariamente quando acontecem casos emblemáticos como esse. A sociedade brasileira é racista. Percebemos isso por meio de diversos estudos e pesquisas que demonstram que existe no Brasil um racismo estrutural que mantém os negros “por baixo”. Quem é negro sabe como é o tratamento dispensado a nós em lugares onde existe riqueza e prestígio.

Parágrafo 2: O comentário de Waack flagrado em vídeo é feito em tom de piada. Essas “piadinhas”, sob a desculpa do humor, acabam reforçando muitos estereótipos com relação aos negros. Por outro lado existem um “movimento”, muito presente nas redes sociais, que condena esse tipo de “humor” e o reconhece como racismo. Como o senhor vê esse movimento?

João Elias: É bom frisar que essas piadinhas não são exclusividade da elite brasileira, elas estão presentes em todas as classes sociais. Hoje, graças a desmascaração do mito da democracia racial as pessoas estão mais atentas a isso, mesmo aquelas que não fazem parte de movimentos raciais. Agora muitos atos de racismo têm sido expostos por causa das novas tecnologias, como celulares que gravam vídeos e a possibilidade de debates nas redes sociais.

Agora, existe o racismo da construção social, está na cabeça das pessoas que a diferença fenotípica nos coloca em polos antagônicos e essa é uma barreira que só se desconstrói com muita educação.

Parágrafo 2: Então as redes sociais tem um importante papel nesse debate?

João Elias: Um papel fundamental. São uma alternativa à mídia estabelecida que sempre encobriu episódios de racismo. As redes sócias nos proporcionam um contato entre iguais.

Parágrafo 2: Muitas pessoas, sob a crítica ao que chamam de “politicamente correto”, contestam algumas pautas dos movimentos negros. Como o senhor vê esse tipo de justificativa para se manter um racismo velado no Brasil?

João Elias: Essas pessoas, que tinham “licença” pra fazer o que sempre fizeram, agora são mais policiadas e mais observadas. E elas não gostam de perder a liberdade de fazer o que faziam. Antigamente até alguns programas de humor da TV, como Os Trapalhões, por exemplo, faziam muitas brincadeiras com relação à cor negra. A consciência do que é racismo no Brasil aumentou e, além dela, temos hoje uma lei contra o racismo. Mesmo que a pessoa não fique presa ela é processada por injúria racial. Antes não havia criminalização destes atos. Agora mesmo aqueles que cometem racismo pela internet podem ser punidos pois existe a possibilidade de se encontrar esse usuário. Portanto, a reação a casos de racismo hoje acontecem pouco depois que eles acontecem. O caso do Willian Waack demorou a aparecer porque quem gravou havia perdido esse registro, mas assim que ele foi divulgado o caso repercutiu muito e a emissora precisou tomar uma providência.

Parágrafo 2: Os Movimentos Negros estão em ascensão no Brasil hoje?

João Elias: Os Movimentos Negros cresceram quando os governos de esquerda assumiram o governo do Brasil. O Movimento Negro é de esquerda, com exceção de um Fernando Feriado (Fernando Holiday), por exemplo, mas a maioria é de esquerda. Os governos de esquerda no Brasil criaram muitas políticas para o povo negro. Foram suficientes? Não foram, mas foram muito importantes porque deram visibilidade ao tema. O Movimento Negro hoje, ao contrário do MN do passado, é segmentado, e muitas de suas bandeiras foram adotadas por outros movimentos como o Movimento das Mulheres e o LGBT. Hoje muitas pautas do Movimento Negro ganharam força como a questão da liberdade de visual, as questões de religiões afro, as cotas, entre outros. Atualmente essas bandeiras são levantadas também por pessoas que não fazem parte do Movimento Negro, mas de movimentos sociais. Milhares de pessoas debatem sobre essas questões em redes sociais como o Facebook, eu sou uma delas. A internet abriu uma possibilidade sem precedentes pra se falar sobre as causas negras. No Youtube há muitos representantes do Movimento Negro, tem muita coisa interessante acontecendo que, de certa forma, até alivia a carga dos mais velhos porque existem muitas vozes novas falando sobre o tema.

Parágrafo 2: Com relação a políticas públicas voltadas ao negros. O que se pode esperar do atual governo federal?

João Elias: Nada, sobre o atual governo acredito que nós do Movimento Negro não podemos esperar nada. Vejo, inclusive, que o péssimo desempenho e os grandes esquemas de corrupção do atual governo só abrirão as portas para que um governo de esquerda assuma o país novamente. Hoje se tem uma corrupção desenfreada, antes havia só o PT pra ser acusado, agora percebemos a participação da maioria do partidos, até aqueles que pareciam ilibados estão envolvidos. Percebemos que os que bradavam contra a corrupção como o Aécio Neves estão atolados nela.

Parágrafo 2: João, como você vê a figura do Fernando Holiday que é um vereador, negro, mas que luta contra diversas bandeiras do Movimento Negro como as cotas, por exemplo?

João Elias: Não consigo explicar. Aquele homem é uma contradição ambulante. Ele se diz discriminado pela condição sexual dele, mas não acredito que qualquer pessoa do Movimento Negro vá ataca-lo por conta disso, de maneira nenhuma. Esse menino não sabe nada sobre movimentos negros, ele é uma mente confusa, uma mente colonizada.

A luta dele contra as cotas raciais é uma batalha perdida, porque o STF já julgou com 11 ministros que as cotas são constitucionais. Assim, o discurso dele não merece nem atenção.

Parágrafo: O senhor acredita que é possível acabar com o racismo no Brasil ou, ao menos reduzi-lo a uma parcela mínima da população. E qual seria o caminho pra conquistarmos tamanho avanço?

João Elias: Quem é ativista gostaria de descansar depois de ver esse problema desaparecer. Não creio que o racismo vá desaparecer tão cedo porque nossa sociedade é estruturada nisso. Existe o fenômeno que mantém algumas pessoas de um lado da gangorra dependendo que os negros fiquem na ponta para se manter o equilíbrio. Acredito que a consciência negra, se disseminando para mais pessoas e para mais pessoas negras, porque há entre muitos negros um certo racismo, e mais negros ocupando posições políticas e promovendo políticas públicas que possam diminuir a vulnerabilidade ocupacionais, de habitação, de renda entre outros, pode fazer com que o racismo não tenha tanto efeito como ainda tem. Na impossibilidade de não se conseguir eliminar uma bactéria que produz uma doença é importante encontrar a cura para a enfermidade gerada por ela.

O racismo é muito antigo, ele existe a 3,500 anos.  Disseminado por religiões que diziam que os negros eram uma raça para ser explorada, nas religiões Abraâmicas é isso que se fala. Depois veio o racismo científico quando chegou-se a acreditar que o negro não era biologicamente humano como os brancos europeus. Agora, existe o racismo da construção social, está na cabeça das pessoas que a diferença fenotípica nos coloca em polos antagônicos e essa é uma barreira que só se desconstrói com muita educação.

 

 

 

About José Pires

É Jornalista e editor do Parágrafo 2. Cobre temas ligados à luta indígena; meio ambiente; luta por moradia; realidade de imigrantes; educação; política e cultura. É assessor de imprensa do Sindicato dos Professores de Ensino Superior de Curitiba e Região Metropolitana - SINPES e como freelancer produz conteúdo para outros veículos de jornalismo independente.