Foto principal: Seu Francisco.
Na pastelaria chinesa da Praça Tiradentes, no Centro de Curitiba, uma senhora exclamava, quase gritando.
– Dá uma olhada na praça. Tá vendo algum morador de rua lá? Não né. Sabe por que? Porque todos receberam dinheiro do PT pra participar do ato do Lula na frente da Federal.
A linha de raciocínio da curitibana, compartilhada com a atendente chinesa que fez pouco caso enquanto servia um pingado e uma coxinha, refletia o clima na capital do Paraná nesta quarta-feira (28).
– O Lula nunca trabalhou! Ele nunca trabalhou!
Gritava ferozmente uma voz que se fazia ecoar por meio de um caminhão de som. As afirmações, feitas aos berros e que desprezavam o passado de metalúrgico do ex presidente Lula, trabalho por meio do qual perdeu um dos dedos da mão, vinham do representante de um dos muitos grupos de direita de Curitiba e era uma espécie de retaliação à presença do petista na cidade.
Há duas quadras do caminhão de som, na Praça Santos Andrade, local onde aconteceu o último ato da passagem da Caravana de Lula pelo Sul do país, o clima e os discursos eram outros.
José Francisco, mais conhecido como Chiquinho, e sua esposa, Dona Maria, ignoravam a chuva que caia às 16 h. Imóveis, se colocaram do lado esquerdo do palco que abrigaria Lula e outras lideranças políticas. O casal veio de Ponta Grossa, nos Campos Gerais, para ver o ex-presidente de perto. Seu Chiquinho é um homem do campo. Mora em uma chácara onde planta batata, mandioca, milho. Tímido olha com desconfiança. Fala baixo, muito baixo. Menor que o tom de sua voz só mesmo sua estatura, que não passa de 1,50 cm. A altura, no entanto, não é empecilho diante da enxada que ele empunha oito horas por dia, faça chuva, ou faça sol.
O casal provavelmente nunca respondeu a uma pesquisa de intenção de voto. Alheio às redes sociais, às Fake News e outros elementos que permeiam as discussões políticas no meio digital, eles têm uma receita objetiva para justificar a admiração por Lula: resultados. O raciocínio é simples, mas talvez responda porque Lula, mesmo diante de um massacre midiático, ainda é adorado por milhões de brasileiros. “Nossa vida era muito melhor quando o Lula era presidente, agora está muito pior, esse é o motivo. Lula nos deixou uma herança, que agora não temos mais”, revela didaticamente Seu Chiquinho.
Nos dois mandatos de Lula, segundo Seu Chiquinho, a vida era infinitamente mais fácil do que é agora. As lembranças do ponta-grossense são reflexo da política voltada ao trabalhador rural durante os governos do ex-presidente. Iniciativas como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), por exemplo, tiveram o maior volume de investimento da história durante os mandatos do petista.
Segundo pesquisa divulgada pelo Datafolha, em janeiro deste ano, Lula seria eleito no primeiro turno diante de qualquer adversário. No entanto, a Folha de São Paulo, em matéria recente, destaca que o ex-presidente teve queda com relação a interações no Facebook depois que foi condenado pela Justiça Federal. Seu Chiquinho e Dona Maria desconhecem esses dados, vivem sob o lema de que o que está ruim tem que melhorar, se agarram à volta de uma herança deixada por um ex-presidente. Além disso, ignoram também nomes pujantes da guerrilha virtual que prometem ser páreo para o petista caso ele saia candidato. “Não sei quem é Bolsonaro”, resume o agricultor.
A lógica dos resultados, ou seja, da melhoria de vida proporcionada por políticas sociais, parece não ter muito espaço nos debates on line. Mas, para muitas pessoas, é a linha guia que mantém Lula à frente dos demais candidatos. Dorvalina Leite, agricultora de General Carneiro, também no interior do Paraná, não se esquece do governo petista. No caso dela, um teto para morar ao lado dos filhos é argumento mais do que suficiente pra sempre votar no ex-presidente. Dorvalina conseguiu, pela primeira vez na vida, uma casa própria. A residência veio por meio do Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR) no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida. “Foi minha maior conquista, meu teto, essa casa mudou minha vida completamente. Quem não gosta do Lula é injusto, o pobre que teve a vida melhorada sabe reconhecer. Se for candidato vamos eleger ele de novo”, avisa.
Identificação
A terra vermelha que sua funde à botina de Sebastião Carlos parece combinar com seu boné do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Mais de quatro horas de viagem e 350 km para ver Lula de perto. Sebastião, agricultor de 71 anos, veio de Congoinhas no interior do Paraná e ignorava as manifestações contrárias que a Caravana do ex-presidente enfrentou no Sul. “Perseguição sempre existe, afinal o Lula incomoda muita gente grande. Esses processos na justiça, cadê as provas?”, questiona.
Para ele, a receita da idolatria ao petista vem da identificação. “O Lula veio debaixo. Era pobre e nunca se esqueceu das raízes. É o único candidato que sabe o quanto é sofrido pegar na enxada de sol a sol. É o único que sabe o quanto é penoso não ter o que dar de comer aos filhos”, diz. E completa, “acompanho política há 50 anos, desde o Getúlio, e posso afirmar que ninguém nunca fez o que o Lula pelos mais pobres”.
Abraçado a uma bandeira vermelha, o chef Paulo Pena espera encostado à grade que separa o palco do restante da Praça Santos Andrade. A seu ver, a empatia com Lula é o grande segredo. “As pessoas se identificam com ele. É um personagem que veio do povo, encabeçou a luta pela redemocratização do Brasil e trouxe o povo ao poder. Ele fala a linguagem das massas, de maneira que as massas entendem. Essa é a receita do sucesso”, enfatiza.
Um metalúrgico que chegou ao posto máximo da nação. A trajetória de Lula não é esquecida por muitos. Na visão do músico João Bello, a história política do petista, forjada em contato com as camadas mais populares, é o elemento que o transformou em ícone político. “Não vejo que é carisma, é um trabalho que ele faz há muitos anos, desde que veio pra São Paulo com a família em um pau de arara. Ele tem um histórico de trabalho político, não é o Lula que arrasta as multidões, mas as bandeiras que ele defende. A bandeira da moradia, da reforma agrária, do salário digno. Quanto a esses atentados que aconteceram aqui no Sul, eles de nada adiantaram porque não se mata sonho, não se afugenta esperança. O maior tiro no pé dos oposicionistas seria a morte ou prisão do Lula porque as pessoas se veem nele”, destaca o artista.
Pra alguns, todos os processos que o ex presidente tem enfrentado na justiça apenas o fortalecem. Seu Francisco, potiguar que mora em Curitiba há muito tempo, não tem dúvidas que o candidato apoiado por Lula será eleito. “Eu não acredito que ele seja candidato. É muita pressão, acho que ele vai apoiar alguém e essa pessoa vai se eleger”. Francisco crê também que uma possível prisão do petista apenas incentivaria seus partidários a continuar lutando por ele. “Se prenderem o Lula esse país pega fogo. É aí que o homem se fortalece mesmo. Mas pra prender tem que ter prova né? Só vejo falar em delator, delator. Meu filho, delator entrega até a mãe pra se livrar da cadeia”.
O ato na Santos Andrade
Uma multidão de 17 mil pessoas, segundo a organização do evento, tomou a Praça Santos Andrade a espera do ex-presidente para falar, entre outros temas, sobre o atentado da última terça-feira (27). Mas o discurso do petista não se resumiu ao ataque. Lula queria, mais uma vez, falar sobre o país. E rediscuti-lo. E ao lado dos pré-candidatos à presidência Manuela d’Ávila e Guilherme Boulos mostrar que a esquerda vive.
“Defender Lula não é tarefa apenas dos petistas e lulistas. É tarefa de todos que defendem a democracia”, disse Manuela d’Ávila, ao lado do ex-presidente. Já Guilherme Boulos convocou a criação de uma frente unificada da esquerda. “Todos sabemos que na esquerda temos diferenças de posição e de ponto de vista. Nossa tradição não é da intolerância e do pensamento único. E agora vamos nos unir parar enfrentar o fascismo”.
A Lula coube encerrar reafirmando uma mensagem que é recorrente em seus discursos. “Eles acham que sou eu o problema desse país. O Lula é apenas um ser humano. Mas nós não somos um amontoado de ossos e de água. Nós somos uma ideia. Eles não conseguirão prender o sonho”. E aos 72 anos e com plena disposição, avisou: “já estou planejando mais duas caravanas”, disse.