– Nossa, como você é bonita – Disse a moça, com um elogio aparentemente sincero à senhora com quem conversava. – Que olhos bonitos a senhora tem! A senhora é muito bonita, sabia?
Ao ouvir aquilo, John quase teve uma crise de risos. Ele estava próximo às duas, mas não as conhecia. Encontrava-se só, sentado num canto próximo à escada rolante do shopping, descansando depois de ter observado as vitrines das lojas como sempre fazia depois da aula. Testemunhar a fala daquela moça pareceu-lhe um tremendo absurdo. “Onde já se viu achar os velhos bonitos? Velhos eram velhos, e ponto!“.
John era jovem, tinha 17 anos, e se considerava no ápice da juventude, um poço de conhecimento. Já havia dominado as questões do mundo e sabia que para todas as coisas havia uma explicação lógica. As pessoas não sabiam, mas ele tinha o domínio de todas as coisas. Ele havia compreendido a mecânica das relações humanas. E isso bastava.
Logo após o episódio, John se levantou e foi embora. Esqueceu-se rapidamente da “bobagem” que ouvira e seguiu seu caminho habitual para casa, carregando consigo pensamentos mais importantes como, por exemplo, o que sua mãe teria preparado o café da tarde.
Chegou à casa cansado, pedindo à mãe que lhe levasse o café na cama para que ele pudesse se revigorar daquele dia cansativo em que teve de tolerar professores chatos e incrivelmente caretas. Deixou as coisas na sala e foi para o quarto, voando para a cama com sapato e tudo. Quando finalmente se deitou, suspirou de alívio daquele dia exaustivo, enquanto observava o ventilador de teto do quarto que girava como um grande helicóptero branco. Pensava nas coisas importantes da sua vida. Pensava na Bia, na Fernanda, nas piadas que fizera em sala de aula (haviam sido o maior sucesso), e outras lembranças mais. Perdia-se nessas efêmeras lembranças até que, repentinamente, para sua surpresa, pegou-se relembrando o elogio que a moça fizera à senhora horas antes.
Aquilo marcou-o. Queria livrar-se daquela lembrança, mas era um daqueles pensamentos arrebatadores, dos quais quanto mais se quer eliminá-los da mente, mais fortes e reais eles se tornam. O comentário da moça o fez relembrar-se do rosto da senhora. Relembrou com uma nitidez e riqueza de detalhes incrível, capaz de distinguir cada elemento e traço. E, à medida que ia remoendo esse pensamento, uma sensação estranha começava a percorrer-lhe o corpo. Uma ideia jamais concebida: chegou a considerar algo que jamais poderia ter pensado em sã consciência: seria aquela senhora, de fato, bela como a moça mencionara? Bom, não importava… Tentou pensar em algo diferente, mas não conseguiu. Não conseguia parar de reprisar o momento. A sensação era desagradável, mas lhe consumia. Lembrou-se dos olhos da criatura – havia reparado bem – e admitiu secretamente que existia neles certo brilho, capaz de transmitir vigor… A pele já não era tão lisa, tampouco era completamente enrugada. Havia pequenas rugas próximas aos olhos, bem pequenas; mas que, pensando bem, proporcionavam àquela face um ar mais nobre. Transmitia seriedade, sabe como? As rugas eram as curvas da pele moldadas pelas ondas do tempo, como as areias do deserto, que se moldam com o vento. Os dentes ainda eram brancos e levemente desgastados, o que não prejudicava, de modo nenhum, a análise da feição. O ventilador girava… girava… e, aos poucos, a percepção que John tivera a respeito daquela senhora começava a mudar. Havia nela uma beleza que ele não enxergara? Poderiam os velhos serem bonitos? Talvez apenas não fossem notados em meio ao vigor da juventude destemida, ousada e cheia de sonhos?
Por um instante, John vislumbrou como poderia ter sido aquela senhora quando jovem. Os traços, simétricos e proporcionais, fizeram-no supor, mesmo com certo cuidado, que ela poderia ter sido uma jovem bem atraente, talvez como a Bia: de expressões sutis, excetuando-se os olhos: gigantes e bem destacados. Olhos muito destacados, tão destacados que tornavam-se o traço mais marcante daquela criatura. Que olhos! A moça estava certa. Os olhos eram bonitos mesmo. Do local onde John se encontrava naquela ocasião não se podia ver de que cor eles eram, mas isso também não importava. Chegou a imaginar as coisas que os olhos daquela senhora deveriam ter visto. Será que ela presenciou uma guerra mundial? Quais lembranças teria? Quais romances ela deve ter tido? Será que se considerava velha? Os velhos, à medida que envelhecem, dão-se conta de como o tempo passa? Ou seria o tempo um inimigo traiçoeiro, capaz de roubar o espírito sem qualquer satisfação, ludibriando o conceito que cada pessoa tem de si mesma sobre essa questão? E como seria o próprio John em velhice? Ah, que loucura! E como seria a Bia? Ele não conseguia imaginar, mas sabia que ela poderia ficar igual àquela senhora. Deixaria de ser bonita?, questionou-se. Se ela estiver a meu lado, ponderou, sem dúvida continuará sendo a paixão da minha vida. É claro que esse pensamento era bem positivista até mesmo para um adolescente, mas dane-se a realidade. Deixe os sonhos vencerem um pouco, a realidade já é tão dura. O certo é que ele estava começando a sentir-se mais velho. O seu irmão mais novo, Tom, de 14 anos, era muito novo e logo chegaria aos 17 também. Com 17 já sentiria a responsabilidade e o peso da idade. Com 17 anos será que já estou velho?. E isso importa? Para John, a idade não importa se, de fato, você estiver feliz com o que vê no espelho. Afinal, tudo passa, não? Talvez toda essa filosofia barata e melodramática não importe se a sua companhia ao longo dos anos for a sua pessoa amada, pensava ele. John só esperava ser feliz, na concepção mais adolescente e ingênua da palavra, e até conjeturava cuidar da Bia: Como uma espécie de protetor, sabe como?…
Mas de que adianta pensar em coisas legais assim quando sua mãe chega no seu quarto reclamando que você está de sapato em cima da cama? Ah, John tentou ser legal, mas os adultos não aprendem a parar de serem chatos. Um dia eles crescem. Um dia eles amadurecem.