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“A divulgação da lista suja é fundamental para a transparência das operações de combate ao trabalho escravo”, diz auditor do MT

Foto: J. R. Riper /Imagens Humanas

No último dia 16, o Ministério do Trabalho publicou uma portaria 1129 que estabelece novas regras para a caracterização de trabalho análogo ao escravo e para atualização do cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a tal condição, a chamada lista suja do trabalho escravo. As novas normas serviriam também para a concessão de seguro-desemprego ao trabalhador que for resgatado em fiscalização do Ministério do Trabalho.

A portaria foi publicada no Diário Oficial da União e segundo a norma, para integrar a lista suja é necessário que seja constatada e comprovada a existência de trabalho análogo ao escravo. Pela definição do Código Penal, submeter alguém a atividade análoga ao escravo é submeter a trabalho forçado ou jornada exaustiva, quer sujeitando o trabalhador a condições degradantes, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída.

No entanto, no dia 24 a ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Rosa Weber concedeu decisão liminar (provisória) para suspender a portaria do Ministério do Trabalho. A decisão da ministra determina que as regras da portaria não possam ser aplicadas, ao menos até o julgamento final da ação que contesta as alterações. Não há prazo para que o mérito da ação seja julgado.

Em meio a todas essas decisão estão os Fiscais do Programa de Erradicação do Trabalho Escravo que veem o número de trabalhadores em condições análogas a escravidão resgatados no Brasil despencar. A queda não é consequência do abandono da prática centenária de exploração ilegal. Apenas não há dinheiro para fiscalizar, segundo entidades que atuam na área. Em 2016 foram resgatadas 885 pessoas. Até setembro deste ano foram apenas 167 libertados.

O Parágrafo 2 entrevistou Renato Bignami, Auditor-Fiscal do Trabalho do Programa Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo da Superintendência Regional do Trabalho em São Paulo que falou sobre a Portaria do Governo Federal, as ofensivas ao trabalho de fiscalização e a importância da divulgação da Lista Suja do Trabalho Escravo. Confira.

Parágrafo 2: A portaria do Governo Federal, publicada no último dia 16, reduz o conceito de trabalho escravo, reduz a fiscalização e dificulta a punição aos empregadores que submetam trabalhadores a condições análogas às da escravidão. Como os profissionais de fiscalização e o próprio Ministério Público do Trabalho receberam essa notícia?

Renato Bignami: A nova portaria foi anunciada repentinamente. Não houve diálogo com a fiscalização, a fim de verificar a adequação e viabilidade da norma para o combate ao trabalho escravo.

Parágrafo 2: Segundo a portaria, um dos critérios para que seja caracterizado o trabalho escravo é com relação à liberdade de “ir e vir” das vítimas. É possível, no entanto, que alguém se veja preso a um local de trabalho por outras condições que não o cerceamento à liberdade?

Renato Bignami: Sim, há diversas modalidades de coerção perpetradas contra o trabalhador a fim de submetê-lo a condições análogas às de escravo. O cárcere privado pode ou não ocorrer e certamente sua presença não é central para a caracterização do trabalho escravo.

Parágrafo 2: Locais insalubres, sem condições de higiene, podem passar a não ser enquadrados como uma característica que tipifica o trabalho escravo. O quanto isso é prejudicial aos trabalhadores que enfrentam essas condições?

Renato Bignami: A mera existência de insalubridade não é suficiente para caracterizar trabalho escravo. No entanto, precárias condições de segurança e saúde são forte indicador de condições análogas às de escravo, assim, é essencial que continuemos a perceber as condições degradantes de trabalho como parte substancial dos indicadores atuais de trabalho escravo, sob pena de reduzirmos a proteção aos trabalhadores, fomentarmos a concorrência desleal entre as empresas e até mesmo o déficit previdenciário.

Parágrafo 2:  A fiscalização de denúncias tem diminuído no Brasil desde 2013, por causa da redução de recursos para esse fim. A seu ver existe uma “ofensiva” ao combate ao trabalho escravo no país? E quais as principais consequências para os trabalhadores?

Renato Bignami: Não saberia dizer se há uma relação direta entre redução de denúncias e recursos, nem tampouco sei dizer se a redução de recursos ocorreu de fato. No entanto, é notória a ofensiva, notadamente a partir da redução do conceito prevista na Portaria 1129. Como consequência podemos observar mais trabalhadores sofrendo maus tratos e o Brasil andando para trás, no que concerne ao combate ao trabalho escravo, o que, por si só, representa um risco enorme para investimentos externos e outros efeitos.

Parágrafo 2: Essa falta de recursos se reflete nas condições de trabalho dos fiscais. Quais as maiores dificuldades que esses profissionais enfrentam hoje?

Renato Bignami: As maiores dificuldades são o aumento das denúncias e a redução do quadro de auditores fiscais, dificultando o atendimento de todas.

Parágrafo 2: Em que condições costumam ser encontrados os trabalhadores vítimas do trabalho escravo?

Renato Bignami: Condições precárias de moradia, trabalho, dívidas ilegais, coerção por abuso de vulnerabilidade, enfim, uma séria de violações de direitos humanos.

Parágrafo 2: A efeito de fiscalização, qual a importância da divulgação da “Lista Suja” do Trabalho Escravo no Brasil?

Renato Bignami: A divulgação da lista suja é fundamental para a transparência das operações de combate ao trabalho escravo. Por meio dela, a sociedade fica sabendo quais empresas foram responsabilizadas por submeterem trabalhadores a condições análogas à de escravos no âmbito administrativo e o mercado pode agir com mais segurança ao contratar com essas empresas.

Parágrafo 2: O Ministro do Trabalho disse em entrevista que não revogaria a portaria depois da decisão do STF. Agora, voltou atrás e confirmou que haverá revogação. As recentes iniciativas do Ministério do Trabalho parecem vir ao encontro de interesses de grandes produtores rurais que tem forte representatividade no Congresso Nacional. Como é trabalhar “enfrentando” esse tipo de poder político e econômico?

Renato Bignami: A Convenção 81, da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil e que trata da organização da inspeção do trabalho, proíbe qualquer tipo de interferência política no trabalho técnico realizado pelos auditores fiscais do trabalho. Dessa forma, a resposta à sua pergunta passa necessariamente por essa análise, ou seja, o quanto o ente político está se imiscuindo em assuntos que não são de sua competência.

 

About José Pires

É Jornalista e editor do Parágrafo 2. Cobre temas ligados à luta indígena; meio ambiente; luta por moradia; realidade de imigrantes; educação; política e cultura. É assessor de imprensa do Sindicato dos Professores de Ensino Superior de Curitiba e Região Metropolitana - SINPES e como freelancer produz conteúdo para outros veículos de jornalismo independente.