Coluna Filosofia Di vina
A presença abjeta de Bolsonaro causa constrangimento até ao mais medieval dos homens. Para a elite acostumada à submissão internacional e aos arremedos da burguesia europeia e estadunidense ele sempre foi um incômodo, mas um incomodo útil ao projeto do grande capital.
Paulo Guedes, Sergio Moro e a ala militar sempre foram os pilares do Bolsonistão – termo do Bob Fernandes – e é claro, outro já famoso pilar, os “bolsonaristas”, os seres que quando enxergam muito alcançam meio palmo à sua frente.
Para entender a nova crise criada, convém relembrar a origem da mesma, ela não começa com Bolsonaro e suas ligações com as milícias, tentando proteger a gangue dos filhos, tampouco começa na demissão de Moro.
Em 2016, acabou o que se convencionou chamar de Nova República, que durou de 1988, com a Constituição Cidadã, até o golpe que derrubou Dilma. Golpe, pois, dois dias depois de derrubar a presidenta eleita, o senado federal aprovou a lei 13.332/2016 que permite as “pedaladas fiscais” que fundamentaram o impeachment. Esse processo agravou a crise que o país vinha passando e gerou desdobramentos que ainda hoje não se resolveram.
A fratura social que 2016 representou é profunda. No segundo ato desta peça desastrosa, o vice Temer, não conseguiu encabeçar a liderança que os setores do grande capital esperavam, uma fraude política que afundou junto com o que restava de país. Mesmo com todo o massacre midiático que atingiu todo o campo progressista, Lula ainda liderava as pesquisas presidenciais para 2018. Ocorre a prisão de Lula em um processo relâmpago que o tira do páreo eleitoral, enquanto a direita não tinha nenhum candidato minimamente popular. Desse vácuo criado, surge a tosca figura de Jair Bolsonaro, incorporando todo o sentimento “anti-esquerda” criado após 2013, além do combate à corrupção e um ufanismo tacanho.
O personagem, um político profissional, com quase trinta anos de vida pública, um deputado medíocre e sem proposta nenhuma, ganha, por uma série de contingências, os holofotes e acaba concentrando toda a direita. Nesse circo dos horrores, brotam neoliberais, fascistas de primeira hora, integralistas, milicianos, aproveitadores, pastores obscuros, verborragias dos esgotos, empresários burlescos, enfim: o lodo de verde e amarelo.
Neste cenário pulula também a figura de um grande herói nacional criado pela grande mídia. Já houvera uma tentativa anterior, Joaquim Barbosa. No caso de Moro há peculiaridades notáveis. O gosto pelo destaque e a embriaguez das manchetes transformam o juiz burocrata e sem sal em uma estrela nacional. No entanto, Moro é um grande oportunista e seus vazamentos e combinações, com a acusação do processo da Lava-Jato, interferem diretamente no impeachment de 2016 e nas eleições de 2018. Em nome do “combate a corrupção”, Moro aglutina em torno de si uma verdadeira milícia jurídica, todos de olho na gorda verba de 2,5 bilhões de dólares para criar um fundo para combater a corrupção.
Mirando no STF, mas sempre construindo sua carreira política paralelamente, Moro recebe a parte que lhe cabe nessa negociata: o superministério. Com uma ação tão medíocre quanto a do seu chefe, Moro quase nada fez à frente do ministério. Humilhado moralmente em vários casos, Moro limpou a barra da família como pôde, mas, como bom carreirista, sórdido e rasteiro, guardou o tapete sob o qual ele mesmo por muitas vezes varreu a sujeira.
Moro sabe que Bolsonaro é efeito do que ele criou, e a Globo sabe que Moro é cria dela mesma. Para a elite, Moro é o ideal, é o candidato da direita, embora desastroso para o país, como Bolsonaro, sabe manter as aparências.
Paulo Guedes, incapaz e atrasado, é a última esperança do grande capital, a debandada dos ratos de sempre mostram que o navio já começou a navegar furado. Bolsonaro militarizou toda a cúpula do governo e fez alianças com o “centrão” na esperança de ter uma carta na manga, uma carta golpista. Além desta carta, Bolsonaro tem o baixo clero das forças armadas, a milícia e boa parte da PM, além dos fanáticos da patética seita “bolsonarista”, e isso não é pouco. Vale lembrar a crise da PM em estados do Nordeste, neste ano, e o caos rápido que eles podem causar. Rachar as forças armadas é um passo a mais em direção ao golpe, por isso, a questão do (COLOG) sobre o rastreamento de armas que beneficiaria as milícias, jogando no lixo a moral das forças armadas, que, convenhamos, já estava bem próximo disso quando chancelaram o governo atual.
O que se tem na mesa é a escalada fascista que alimenta o golpe de Bolsonaro, ou a saída pela direita encabeçada por Moro e os golpistas de 2016. A oposição de esquerda ainda tenta juntar os cacos, fragmentada e sem projeto contra o abismo, não consegue ganhar as massas. O oportunismo do MBL, protocolando o impeachment, mostra o esvaziamento e isolamento de Bolsonaro, mas mostra também que a esquerda está ficando ainda à margem desta disputa entre a direita bolsonarista e a direita lavajatista. Enquanto a briga entre a velha oligarquia e fascismo jeca acontece. crescem as montanhas de cadáveres nos hospitais pelo Covid-19, continuam colorindo o concreto frio o sangue dos jovens nas periferias, os povos indígenas continuam em sua guerra desigual contra o latifúndio. O mundo todo tenta ver novas perspectivas, além da crise inevitável, enquanto o Brasil ainda olha para trás caminhando em direção ao despenhadeiro em sua frente.