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A angústia da minha pátria

Foto principal: Valéria Pinheiro

Estamos nunca bem longe da nossa terra natal. Não importa onde estejamos no mundo, ela gruda em nossa pele como nosso cheiro. De repente, sempre nos lembramos que viemos deste Sul enfraquecido e devastado pela política do Norte, quando nos deparamos com imagens trágicas que nos trazem lágrimas aos olhos. É a prova de que o mundo é velho, democrático e injusto.

Isso me assusta tanto. Conto para minha amiga Giovana. Ela pensa que as coisas vão melhorar eventualmente. E que, podemos tirar o melhor da Covid usando nossa criatividade. Ela está parcialmente certa. O homem é incrivelmente bom em transformar o mundo como quer. Minha amiga canta para preencher o enorme vazio de coisas não experimentadas devido à pandemia. Noto que ela estava tentando me confortar. Rir. “Tento confortar você e me confortar também, mas acredito no que digo”, ela confirma. O confinamento está sufocando a todos nós. Noto que vamos para a faculdade uma vez na vida. Lá, talvez estejamos perdendo os melhores anos de nossa vida, presos em nosso quarto observando o mundo a partir de uma pequena tela.

(Crédito foto: Gabriel Ramos)

Eu disse que minha amiga estava parcialmente certa. Minha preocupação vai além da Covid. Esta pandemia irá embora como outras antes dela. Temo pelo meu país, pelo meu povo, pelo mundo que se torna cada vez mais injusto, desigual, paranóico e traumático.

Não ouso mais confiar em meus pais. Já passei da idade para essas coisas. Além disso, minha mãe ficou muito frágil e meu pai ainda acredita que sou forte e otimista. Fico dizendo a ele que o país vai se reerguer um dia ou outro. Não posso correr o risco de ser visto como um covarde, e na frente do meu país (por tê-lo deixado), e na frente do meu pai (por tê-lo decepcionado).

Chorei ao ver, esta manhã, a foto de um jovem de 17 anos banhado em seu sangue sobre o asfalto quente. Ele estava indo para a escola com um amigo quando, do nada, uma bala o atingiu na cabeça. Matamos a vida em sua fonte. E o futuro do meu povo, antes de se esgotar, está sendo brutalmente esmagado pela terrível máquina da morte e do exílio.   

O Estado do meu país, a burguesia criminosa, assim como a comunidade internacional (que se reagrupa em “Corps-Groupe” na pequenina ilha dos homens livres), estão em conluio com as gangues que enxameiam por todo o Haiti e distribuem bolas grátis para a população. um povo que simplesmente reivindica o direito de existir como todo ser humano merece.

Se meu país se tornou uma zona sem lei, é porque meu povo foi um alvo. Entre as gangues, a burguesia e o Estado, a população é colocada à prova todos os dias. Ela passa de ser humano a objeto. Primeiro com baixa escolaridade; alienada e depois instrumentalizada, e agora passando por todos os tipos de violência: sequestro, estupro de mulheres jovens, a lista é longa.   

Finalmente, minha amiga me pergunta se me sinto melhor depois de chorar. Como respirar quando minha doce pátria se transforma, bem diante dos meus olhos, em um pesadelo? Onde encontramos o suficiente para encher o estômago das armas, e não do povo. Fico angustiado, mesmo estando a mil-mil de minha terra natal. É o destino de cada alma consciente do Sul que vive no Norte.

Carlile Max Dominique Cérilia

About Carlile Cerilia

Carlile Max Dominique CERILIA, nascido em Petit-Goâven no Haiti, é um jovem poeta e escritor. Caminha quando não está lendo ou escrevendo. Gosta de se misturar com as paisagens: árvores, pessoas e animais. Ama cinema e música clássica. Lê Jean-Jacques Rousseau, Albert Camus, Victor Hugo, Voltaire, Dany Laferrière, Shakespeare. Hoje estuda Literatura no CREL (Centro de Pesquisa e Estudos Literários); Departamento, ANA (Narrator Apprentice Workshop). É imigrante e mora no Brasil há alguns meses.