Rua duzentos e quarenta. Duas viaturas e giroflex ilustram a via às 06h horas do horário de verão em uma segunda-feira quente. De um dezembro quente. Um dezembro histórico. Dezembro-ocupação. Dezembro-devolva-a-minha-escola. Dezembro hastagOcupa.
Quatro policiais da guarnição da Polícia Militar de Goiás fazem a guarda à porta do Colégio Estadual Pré-Universitário, o CEPI, ou o antigo COLU, em Goiânia.
Os policiais conversam alto. Riem. Distraem-se.
Da 5° avenida bocas emitem sussurros. Olhos apreensivos reparam os policiais. Corações batem rápidos. Mochilas pesadas sobre ombros joviais. Não de livros, mas com garrafinha de água, velas, E.V.A com frases proféticas: “OCUPADO”. “O COLU É NOSSO”.
Na ponta dos pés – não foi divulgado o número – estudantes alcançaram o muro dos fundos da escola. O Pré-Universitário abrange toda uma quadra do setor Leste Universitário – um bairro-complexo com campus de universidades, tanto da Universidade Federal de Goiás (UFG) quanto da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO).
O Colégio Pré-Universitário está em frente à Área IV da PUC Goiás, e em frente à Faculdade de Farmácia da UFG.
Os estudantes na ponta dos pés alcançam os fundos do Colégio. Adiante, um muro com cerca de dois metros de altura. Articulam entre si quais serão os primeiros a pularem.
– E se tiver polícia lá dentro?
– Aí a gente apanha.
Não podia mais voltar atrás. Toda uma estratégia tinha sido feita. Agora era só executar. Era só ocupar. Ocupar.
– Vamos pular.
Pelo menos quatro estavam sobre o muro sob uma tinta branca. Três segundos e caíram do outro lado junto a duas camadas de tijolos. Braços, canelas, tornozelos arranhados, marcados pelo ideal de defender a escola.
O muro desmoronado é metáfora de uma educação maquiada – “dos dados à estrutura”, denuncia uma estudante.
Quando todos estavam do lado de dentro da escola – “da escola ocupada, cara” – o TNT foi colocado sobre o muro. TNT de “OCUPADO” em escola é troféu. Pódio de primeiro lugar à educação. Desbancar o Estado. Fazer ruir a estrutura rígida do Governo. Eles não conseguem desconstruir a missão de jovens à cata de respeito. De respeito à Instituição Pública.
“Foi ‘O’ momento”, diz, cansada, Rayanne Soares, de 18 anos.
Dentro do colégio, silenciados, “coração saindo pela boca”, encontraram os portões da quadra de esporte aberta. Cada passo era uma conquista. Passo de descontentamento.
O caminho os levou a um portão de grade que os deu ao primeiro prédio. Nesse prédio, encontra-se a biblioteca, sala de informática, o auditório e algumas salas de aula.
“Um dos companheiros” – eles só se tratam de companheiros para preservar nomes – “abriu os cadeados da sala da secretária, onde estava a câmera de segurança e as chaves da cozinha. Nesse momento o wi fi da escola foi ativado, dando poderes cibernéticos. Dando boca pra cada celular. Dando um mega-fone prontificado no YouTube e nas páginas do Facebook.
Quando alcançaram o portão, que estava trancado, dois dos estudantes cobriram o portão com uma faixa “OCUPADA”.
“Os policiais não entendiam absolutamente nada”, conta Lucas.
A faixa destrinchava o poder do Estado. A faixa é a armadura do movimento.
Uma sucessão de palavras de ordens despertava periquitos que descansavam nos coqueiros.
O coro enaltecia as outras ocupações, se referindo ao IEG, ao Lyceu, algumas das escolas ocupadas anteriormente.
– O Colu é nosso! O IEG é nosso! O Lyceu é nosso!
Policiais chegavam às pencas.
Duas, cinco, oito, dez, quinze viaturas espalhadas na rua Duzentos e Quarenta. Os policiais impediam a aproximação de pais, alunos, professores e imprensa. Não se sabe de onde vinha a ordem – “eu sei”, diz uma estudante.
A tropa de choque ameaçava entrar.
As palavras de ordem ora era entoada por uma única voz, ora repetida por todos.
Rayanne resume em duas palavras aquele dia: “intenso e eufórico”.
Às 07h30min o sino da escola soa. É automático o sinal. Dá-se inicio a uma assembléia entre os estudantes – “secundaristas, escreve aí, se-cun-da-ris-tas”, reitera Rayanne.
Rayanne não acredita até agora que faz parte de um dos movimentos mais importunadores da história dos quatro governos de Marconi Perillo (PSDB). O governador, o irredutível governador tucano, faísca, sem entender. Ele tem fé inabalável em “seu plano de privatizar”.
Rayanne e Lucas. Dois secundaristas. Eles me concedem essa entrevista em uma das instalações da PUC. Não se pode entrar na escola – a não ser de íntima ligação aos líderes. Pedi para dar uma olhada. Quiçá matar a saudade do colégio em que estudei o terceiro ano. Não permitiram.
Rayanne e o ex-presidente do Grêmio Estudantil Lucas Calacio, de 16 anos, depois de algumas ligações, foram permitidos a falar comigo, desde que eu respeitasse a ordem cronológica dos fatos, sem dar detalhes ligados às estratégias que possam comprometer a outras ocupações (Esse pedido foi feito em todos os outros colégios que passei sem, porém, que eu conseguisse qualquer detalhe como aos conseguidos no COLU).
O Colu foi ocupado com os mesmos argumentos dos outros colégios em Goiás: Contra a militarização, o que já é feito em muitos colégios goianos, e à proposta do governo do Estado em passar a administração das instituições para as Organizações Sociais (OS). Ou seja, privatizar o núcleo administrativo, ao que dará menos transparência ao dinheiro destinado às escolas.
Já era quase dez horas quando um advogado, mesmo sob pressão dos policiais, levou pão, margarina, copos descartáveis e refrigerantes. Uma enfermeira entrou para tratar os que, ao pularem o muro, se machucaram.
Lá dentro, universitários, professores, apoiadores preparam atividades. Dão palestras, dão conhecimento e cultura aos estudantes em um movimento que entrará para a história de Goiás.