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30 Anos sem Raul – De maluco beleza para maluco beleza

 

Coluna Filosofia Di vina 

Apesar de toda a diversidade musical riquíssima que existe no Brasil, em algum momento, em algum bar, alguém já ouviu a famosa frase: “toca Raul!”

            Após trinta anos de sua morte, Rauzito continua sendo o divisor de águas na vida das pessoas. Nos anos 1990, quando a internet não era algo comum, as gravações eram feitas em fitas K7, quem as tinha, guardava como um tesouro. Para ouvir uma música descoberta na imensa obra de Raul, tínhamos que frequentar a casa um de outro e esta interação motivava horas a fio de discussão sobre a letra e a melodia. Todos éramos muito jovens e tínhamos sede de ouvir e conhecer mais sobre esse ícone, os que tinham CD ou LP sempre eram mais considerados e podiam comentar algo que dava um tom de superioridade.

            A obra do Maluco Beleza ainda não foi totalmente explorada, pela magnitude de suas composições, parece mesmo que nasceu há dez mil anos atrás. Samba, bolero, rock, blues e moda de viola fazem parte do repertório antropofágico desse que foi, sem dúvida, uma grande metamorfose ambulante.

            Raul, ou Luar aos avessos, como gostava de dizer, foi pantera, Hippie, Beatnick, punk e brega. Pegou o trem das sete e, junto com Seu Peixuxa, criticava os doutores Pachecos, que andam por aí preocupados com a hora do trem passar, buscando um ouro de tolo.

            Sempre ligado na situação política do país, preferiu uma sociedade alternativa a esta que condenava os homens a dizer sempre sim, desconfiava da abertura política depois da ditadura militar, pois, sabia que Ali baba não andava sem os quarenta ladrões. Não viu um anjo, mas sim um disco voador que lhe contou sobre o novo Aeon que chegava. Encarava as durezas dessa vida com os conselhos da vovó, que sempre dizia “tente outra vez.”.

            Foi censurado e odiado pelos poderosos, mas, sem medo, anunciou, em 1973, “Krig há Bandolo!” (Aí vem o inimigo!). Inimigo que zombava do poder, dizendo que cada homem e cada mulher é uma estrela. Na inútil tentativa de calar sua voz rouca e renitente, é expulso do país em 1974. A ignorância dos milicos e seus censores só fez dar mais força para que esse rock do diabo voltasse a tocar por aqui, não era mais possível tirar essa mosca da sopa.

            Poeta de todas as horas viveu aprendendo a ser louco e resolveu também reclamar. Reclamou de tudo que aprisionava o ser humano: o amor por obrigação, o fim do mês, a vida adulta, o viver para o trabalho, enfim esta lama que a gente engole. Desafiou o seu tempo com seu talento, irreverência e rebeldia. Apesar de seus 48 quilos, estava sim provando alguma coisa, aliás, provando muito, provando que é de batalhas que se vive a vida. Como transou com Deus e com o lobisomem, o misticismo fez parte de sua história e essa panela do diabo nos faz ainda hoje dançar a dança do Ide a mim.

            Quando Raul despertou do sonho da vida, em 21 de agosto 1989, provou o gosto estranho do beijo da morte vestida de cetim, deixando-nos na estação do trem 103, dando-nos a opção de escolher quem vai chorar e quem vai sorrir. Por isso, hoje choramos por saber que há trinta anos um copo de uísque não foi terminado e uma revista não terminou de ser lida, mas sabemos que isso são coisas do coração. Também sorrimos, pois sabemos que tudo acaba onde começou e aprendemos com ele a não ter mais medo da chuva e nem medo de nada, apesar de conservar nosso medo, gritamos em alto e bom som “Toca Raul!” e, apesar de ter ido para a luz das estrelas, deixou a geração da luz sabendo que não tem colírio usa óculos escuro, que por mais que não sabemos onde estamos indo, sabemos que estamos em nosso caminho e, se o rádio não toca, nós tocamos! Viva Raul. Celebremos todos o dia da saudade.

Abaixo, confira uma playlist de gravações raras de Raul Seixas, inclusive a parte desconhecida de sua carreira de compositor de músicas românticas para os cantores da música brega e da Jovem Guarda.

 

About Rafael Pires de Mello

Rafael Pires de Mello é formado em filosofia pela UFPR, gosta de inutensílios como cinema,literatura,música e é claro o maior de todos, filosofia. Tem a tendência de chorar com música romântica quando bebe demais.